
Título | A chegada de Lampião no Céu | |
Autor | Guaipuan Vieira | |
Categoria | Literatura de Cordel - 32 páginas | |
Idioma | Português | |
Instituição | Centro Cultural dos Cordelistas - Cecordel | |
1ª Edição | 1997 | 8ª Edição: 2005 |
Gravação | 2005 | Repentistas: Antônio Jocélio e Zé Vicente |
Foi numa Semana Santa
Tava o céu em oração
São Pedro estava na porta
Refazendo anotação
Daqueles
santos faltosos
Quando chegou Lampião.
Pedro pulou da cadeira
Do susto que recebeu
Puxou
as cordas do sino
Bem forte nele bateu
Uma legião de santos
Ao seu lado apareceu.
São
Jorge chegou na frente
Com sua lança afiada
Lampião baixou os óculos
Vendo aquilo deu risada
Pedro disse: Jorge expulse
Ele da santa morada.
E tocou Jorge a corneta
Chamando
sua guarnição
Numa corrente de força
Cada santo em oração
Pra que o santo Pai Celeste
Não
ouvisse a confusão.
Página 1
O pilotão apressado
Ligeiro marcou presença
Pedro disse a Lampião:
Eu lhe peço com licença
Saia
já da porta santa
Ou haverá desavença.
Lampião lhe respondeu:
Mas que santo é o senhor?
Não
aprendeu com Jesus
Excluir ódio e rancor?...
Trago paz nesta missão
Não precisa ter temor.
Disse
Pedro isso é blasfêmia
É bastante astucioso
Pistoleiro e cangaceiro
Esse povo é impiedoso
Não
ganharão o perdão
Do santo Pai Poderoso
Inda mais tem sua má fama
Vez por outra comentada
Quando
há um julgamento
Duma alma tão penada
Porque fora violenta
Em sua vida é baseada.
-
Sei que sou um pecador
O meu erro reconheço
Mas eu vivo injustiçado
Um julgamento eu mereço
Pra
sanar as injustiças
Que só me causam tropeço. Página 2
Mas isso não faz sentido
Falou São Pedro irritado
Por uma tribuna livre
Você aqui foi julgado
E
o nosso Onipotente
Deu seu caso encerrado.
- Como fazem julgamento
Sem o réu estar presente?
Sem
ouvir sua defesa?
Isso é muito deprimente
Você Pedro está mentindo
Disso nunca esteve ausente.
Sobre
o batente da porta
Pedro bateu seu cajado
De raiva deu um suspiro
E falou muito exaltado:
Te
excomungo Virgulino
Cangaceiro endiabrado.
Houve um grande rebuliço
Naquele exato momento
São
Jorge e seus guerreiros
Cada qual mais violento
Gritaram pega o jagunço
Ele aqui não tem
talento.
Lampião vendo o afronto
Naquela santa morada
Disse: Deus não está sabendo
Do que
há na santarada
Bateu mão no velho rifle
Deu pra cima uma rajada.
O pipocado de bala
Vomitado
pelo cano
Clareou toda a fachada
Do reino do Soberano
A guarnição assombrada
Fez Pedro
mudar de plano. Página 3
Em um quarto bem acústico
Nosso Senhor repousava
O silêncio era profundo
Que nada estranho
notava
Sem dúvida o Pai Celeste
Um cansaço demonstrava.
Pedro já desesperado
Ligeiro chamou
São João
Lhe disse sobressaltado:
Vá chamar Cícero Romão
Pra acalmar seu afilhado
Que
só causa confusão.
Resmungando bem baixinho
Pra raiva poder conter
Falou para Santo Antônio:
Não
posso compreender
Este padre não é santo
O que aqui veio fazer?!
Disse Antônio: fale
baixo
De José é convidado
Ele aqui ganhou adeptos
Por ser um padre adorado
No Nordeste brasileiro
Onde é “santificado”.
Padre Cícero experiente
Recolheu-se ao aposento
Fingindo não
saber nada
Um plano traçava atento
Pra salvar seu afilhado
Daquele acontecimento.
Logo
João bateu na porta
Lhe transmitindo o recado
Cícero disse: vá na frente
Fique despreocupado
Diga
a Pedro que se acalme
Isso já será sanado. Página 4
Alguns minutos o padre
Com uma Bíblia na mão
Ao ver Pedro lhe indagou:
O que há para aflição?
Quem
lá fora tenta entrar
E também um ser cristão,
São Pedro disse: absurdo
Que terminou de
falar
Mas Cícero foi taxativo:
Vim a confusão sanar
Só escute o réu primeiro
Antes de você
julgar.
Não precisa ele entrar
Nesta sagrada mansão
O receba na guarita
Onde fica a guarnição
Com
certeza há muitos anos
Nos busca aproximação.
Vou abrir esta exceção
Falou Pedro insatisfeito
O
nosso reino sagrado
Merece muito respeito
Virou-se para São Paulo:
Vá buscar este sujeito.
Lampião
tirou o chapéu
Descalço também ficou
Avistando o seu padrinho
Aos seus pés se ajoelhou
O
encontro foi marcante
De emoção Pedro chorou
Ao ver Pedro transformado
Levantou-se e
foi dizendo:
Sou um homem injustiçado
E por isso estou sofrendo
Circula em torno de mim
Só
mesmo o lado ruim
Como herói não estão me vendo. Página 5
Sou o Capitão Virgulino
Guerrilheiro do sertão
Defendi o nordestino
Da mais terrível aflição
Por
culpa duma polícia
Que promovia malícia
Extorquindo o cidadão.
Por um cruel fazendeiro
Foi
meu pai assassinado
Tomaram dele o dinheiro
De duro serviço honrado
Ao vingar a sua morte
O
destino em má sorte
Da “lei” me fez um soldado.
Mas o que devo a visita
Pedro fez indagação
Lampião
sem bater vista:
Vê padim Ciço Romão
Pra antes do ano novo
Mandar chuva pro meu povo
Você
só manda trovão
Pedro disse: é malcriado
Nem o diabo lhe aceitou
Saia já seu excomungado
Sua
hora já esgotou
Volte lá pro seu Nordeste
Que só o cabra da peste
Com você se acostumou.
FIM